REFORMA DA GOVERNANÇA GLOBAL

"Só emprestar dinheiro não basta. É preciso mensurar o impacto dos projetos na vida das pessoas", diz presidente do BID

Em entrevista exclusiva para o site G20 Brasil, o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o brasileiro Ilan Goldfajn, apresentou as medidas concretas que a instituição tem feito para avançar na reforma da governança dos bancos de desenvolvimento, uma das prioridades da presidência brasileira no G20. Ele falou da necessidade de mensurar melhor os impactos concretos dos empréstimos na vida das pessoas, disse que o combate às mudanças climáticas é essencial e elencou: “o mandato que queremos fazer no BID e nos MDBs, em consonância com a presidência brasileira do G20, é um mandato de consensos, de pontes, de achar o lugar comum para avançar”.

08/04/2024 07:00 - Modificado há 10 dias
Assembleias do BID e do BID Invest em Punta Cana, na República Dominicana, aprovaram mudanças para que o BID se torne uma instituição maior, melhor e mais ágil.  | Crédito: Divulgação/BID
Assembleias do BID e do BID Invest em Punta Cana, na República Dominicana, aprovaram mudanças para que o BID se torne uma instituição maior, melhor e mais ágil. | Crédito: Divulgação/BID

Tema prioritário para a presidência brasileira do G20, a reforma das instituições de governança global dialoga diretamente com os bancos multilaterais de desenvolvimento. A agenda pede que as instituições financeiras sejam mais eficazes na solução dos graves problemas sociais e ambientais vividos pelo mundo atualmente. 

Presidido desde 2022 pelo brasileiro Ilan Goldfajn, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está hoje na liderança dos bancos multilaterais e regionais de desenvolvimento (MDBs e RDBs, das siglas em inglês), em uma oportunidade única de pautar a agenda dos países do Sul Global em importantes fóruns de decisão. 

O grupo dos MDBs e RDBs reúne hoje 12 instituições financeiras de todos os continentes, emprestando em conjunto cerca de 225 bilhões de dólares (ou cerca de 1 trilhão de reais) por ano para projetos de infraestrutura, desenvolvimento social e transições energéticas. 

E, embora o aporte de cada vez mais recursos seja fundamental, a discussão hoje gira em torno da desburocratização da liberação de empréstimos, sobretudo para países pobres, a garantia de chegada do dinheiro em projetos que atuem na ponta e mensuração do impacto real destas verbas na vida das pessoas. 

Ilan recebeu o site G20 Brasil em sua residência em São Paulo para uma entrevista exclusiva, onde fala sobre estes e outros temas que estão na agenda de desenvolvimento dos países do Sul Global, como transições energéticas e combate à pobreza. Confira os temas abordados. 

Ilan Goldfajn, Presidente do BID: “ Quantas pessoas saíram da pobreza com o dinheiro dos empréstimos? A gente mexeu na desigualdade?” | Crédito: Divulgação/Ricardo Valarini/BID
Ilan Goldfajn, Presidente do BID: “ Quantas pessoas saíram da pobreza com o dinheiro dos empréstimos? A gente mexeu na desigualdade?” | Crédito: Divulgação/Ricardo Valarini/BID

Bancos maiores, melhores e mais eficazes

O foco tem que ser aumentar a escala dos projetos e os seus impactos. O que isso significa? Que para os problemas que a gente tem hoje, climáticos e sociais, a gente precisa de muito mais dinheiro e precisa que esse dinheiro faça a diferença. Só que, às vezes, só ter mais dinheiro, não adianta. Se ele não chega onde tem que chegar, não adianta. E se ele chega onde tem que chegar mas em uma quantidade insuficiente, também não adianta. 

Então os bancos multilaterais precisam ser maiores, ou seja, ter mais dinheiro. Melhores, ou seja, mais eficazes e chegar lá na ponta. E mais ambiciosos com as metas e prazos. Eu quero reduzir a emissão de carbono? Vamos fazer isso logo, não vamos esperar. Eu quero resolver o problema da pobreza e da desigualdade? Não vamos deixar isso para 2050.

Reforma da governança na prática

A palavra de ordem da presidência do Brasil no G20 é ter bancos multilaterais maiores, melhores e mais ambiciosos. Agora, cabe a nós definir o que significa isso. Em reunião com outros presidentes dos bancos multilaterais, conversamos sobre como vamos avançar e concordamos em algumas medidas concretas, inclusive sobre como vamos compor com os grupos de trabalho do G20, como por exemplo o de Arquitetura Financeira Internacional. Eles farão o que está sendo chamado de G20 RoadMap, que é um plano de trabalho para os bancos multilaterais para os próximos anos. 

Temos que fazer uma reforma relacionada ao impacto dos projetos. Precisamos mudar primeiro a mentalidade, não estar focado só no quanto está disponível, mas em todo o ciclo do projeto. Aprovou? E depois? As instituições financeiras falam muito em dinheiro, mas muito pouco em número de pessoas. Quando falam, "ah, esse ano a gente emprestou 13 bilhões de dólares, mais do que no ano passado… ". Tudo bem, mas quantas pessoas têm saneamento? Quantas pessoas têm acesso à água potável? Quantas pessoas saíram da pobreza com este dinheiro? A gente mexeu na desigualdade? Teve reforma tributária nos países que receberam apoio? A gente conseguiu reduzir a dependência fóssil? São coisas muito práticas, mas é nisso que a gente tem que focar. 

Na verdade é um conjunto de medidas: efetividade, impacto, olhar o resultado, trazer mais dinheiro… Mas tem outras, como trabalhar com as agências de classificação de risco, porque elas nos classificam. A gente quer tomar mais risco, ajudar mais países, mas não queremos ser penalizados por isso. Tem uma agenda enorme, a dificuldade é priorizar.

Caminhos para as mudanças

Acho que um exemplo do que estamos fazendo foi o aprovado nas nossas reuniões anuais, que aconteceram em Punta Cana, na República Dominicana, no início de março. Pela primeira vez, nos 65 anos de nossa instituição, nossas Assembléias de Governadores aprovaram simultaneamente três mudanças transformadoras que tornarão o Grupo BID uma instituição maior, melhor e mais ágil. 

Os 48 países que integram o BID aprovaram a nova Estratégia Institucional do Banco de Desenvolvimento, que vai focar sua atuação no impacto, aprovaram um aumento de capital de 3,5 bilhões de dólares para o BID Invest — o braço do banco para empréstimos a empresas privadas e também um aumento de 400 milhões de dólares para o BID Lab, o braço de inovação do BID.

Essas mudanças ampliarão significativamente nossa capacidade de apoiar a América Latina e o Caribe para lidar com seus desafios e destravar seu potencial para desencadear um ponto de virada no desenvolvimento – tudo voltado para melhorar vidas com uma escala maior e maior impacto.

O BID realizou uma conversão de dívida por serviços climáticos com o Equador, de 1,1 bilhão de dólares, que permitirá ampliar a conservação da Ilha de Galápagos.  | Crédito:  Divulgação/BID
O BID realizou uma conversão de dívida por serviços climáticos com o Equador, de 1,1 bilhão de dólares, que permitirá ampliar a conservação da Ilha de Galápagos. | Crédito: Divulgação/BID

Capacidade de implementação dos projetos

Outra coisa é que muitas vezes os países não têm capacidade de absorver os recursos. "Ah, vou fazer um bom projeto". Isso não adianta. Às vezes a capacitação do setor público para executar o projeto não é tão grande, não é suficiente. O Brasil tem uma capacidade maior de fazer as coisas, diferente de outros países da América Latina. É preciso dedicar esforços, recursos e dinheiro para capacitar as pessoas, para ter os projetos. Essa capacitação é uma barreira que a gente tem que enfrentar e isso requer ser um banco de conhecimento, não só um banco de recursos.

Combate às mudanças climáticas

Um país que tem muita dívida, por exemplo, como a gente ajuda? Vamos trocar essa dívida que é cara, arriscada, por uma dívida nova, com um custo menor, e que o dinheiro possa ser usado para algum tema, como a questão do clima, por exemplo. Financiamos um projeto em Galápagos, no Equador, que vai neste sentido. 

A preocupação mundial em reduzir as emissões é muito forte. São necessários vários projetos de mitigação, para reduzir. Mas também precisamos de projetos para a adaptação. O que é isso? A mudança climática já tá aqui na América do Sul, tivemos o dia mais quente da história, falta de água, queimadas, furacão… A gente tem que ter protocolos de como ajudar países que passam por desastres naturais, ajudar países que já tem muitas dívidas e que quando há uma crise dessas precisa que gastar ainda mais. 

Não adianta querer ajudar com dinheiro só contra o desmatamento, é preciso investir em oportunidades, na bioeconomia, em uma boa infraestrutura, saneamento básico. Trazemos essa visão holística com vários pilares. Esse é um olhar que agrada.

Brasil na presidência do G20 e dos MDBs

Quando você fala da mudança de governança global, é uma mudança de olhar, com a intenção de trazer todo mundo junto. O mandato que queremos fazer no BID e nos MDBs, em consonância com a presidência brasileira do G20, é um mandato de consensos, de pontes, de achar o lugar comum para avançar.

Entraves para os consensos

Tem um lado que não me diz respeito, nem ideologicamente, nem pelo lado geopolítico. Na reunião ministerial de Finanças, teve o relatório da presidência do Brasil, mas não teve um comunicado. Isso não foi porque não teve acordo de como os bancos vão atuar. Tem acordo entre os países sobre o combate às desigualdades, sobre imposto internacional… Isso tudo teve acordo. Mas não houve acordo sobre geopolítica. 

Então, uma boa mensagem é: vamos tentar trabalhar pragmaticamente focando nas pessoas de cada país, nos mais vulneráveis, tentando, juntos, cuidar deles. Vamos nos concentrar nos consensos de uma forma pragmática. Não vamos fazer coisas mágicas.