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Favela 20 e questão climática: 18% da área de favelas no Brasil está em regiões de risco

Com participação dos atores Dira Paes e Jonathan Azevedo, redução de riscos de desastres e justiça climática no contexto das periferias foram temas que alinharam duas mesas consecutivas do evento de lançamento do Favela 20 (F20), na Casa Voz Vidigal.

08/07/2024 20:20
Deslizamentos e a contaminação de solo devido a falta de saneamento básico em áreas periféricas, é um grande problema do país. Foto: Manu Dias/Governo da Bahia
Deslizamentos e a contaminação de solo devido a falta de saneamento básico em áreas periféricas, é um grande problema do país. Foto: Manu Dias/Governo da Bahia

No Brasil, 3% da área urbana total está em regiões de risco; nas favelas esse percentual chega a 18%. A cada 100 hectares de favela que cresceu no país entre 1985 e 2022, 16,5 foram em áreas de risco, é o que apontam dados do MapBiomas. 

Ademais, o estudo indica que a cada 20 anos a área ocupada por favelas no Brasil dobra. Dados que demonstram a necessidade inadiável de debater redução de riscos de desastres e justiça climática no contexto das periferias. Assim, não somente pela necessidade de debates, mas especialmente pela exigência de uma busca urgente por respostas, é que esses temas alinharam duas mesas consecutivas do evento de lançamento do Favela 20 (F20), na Casa Voz Vidigal. O evento contou, na abertura, com mensagem da socióloga e primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva.

A partir da premissa confirmada em diversos estudos, de que pessoas em maior vulnerabilidade social são as mais atingidas pelos eventos extremos consequentes das mudanças climáticas, o evento não levou em conta somente a questão de classe de quem habita a periferia e as regiões de risco, mas também a questão de raça, a partir do conceito de racismo ambiental. De acordo com pesquisa promovida pelo Instituto Locomotiva em parceria com o Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa), 67% dos moradores de favelas são negros, média acima da nacional, que é de 55%. 

Mesa “Qual o papel do G20 na promoção da redução de riscos de desastres nas Favelas?”

Divulgação/F20
Divulgação/F20

A mediação foi da atriz e ativista Dira Paes, fundadora e integrante da Organização Não Governamental (ONG) Movimento Humanos Direitos, criada por artistas na defesa de causas socioambientais. Temas como educação ambiental e leitura crítica do fazer urbanístico estiveram à mesa.

“Vocês do F20 nos inspiram, fazem com que nós possamos ter esperança. Esperança não só no campo das ideias, mas no campo das ações”, colocou Dira, que parabenizou a iniciativa e reforçou a importância de realizações práticas a esses problemas, que não apenas afetam ao meio ambiente mas vitimam vidas humanas. 

No que consta ao tema da educação ambiental, Brenda Vitória, “cria” da Maré que atua como ecóloga e articuladora social, dividiu sua experiência. “Trabalho com uma educação ambiental crítica, que dialoga com as potencialidades que já existem nos territórios, que reforça a favela como um lugar de potência, de produção de conhecimento e de saberes. Atuo trazendo esse olhar de que a favela faz parte da cidade, do meio ambiente”, disse ela.

A articuladora também pontuou as dificuldades decorrentes da falta de políticas públicas à matéria, uma vez que a educação ambiental, em especial em escolas públicas, não faz parte do currículo escolar. “Então, como eu vou disputar a narrativa de educação ambiental se não está curricularizado. Entra na barreira do acesso à informação, de não olharem a educação ambiental como uma forma de educação tal qual outras ciências”, postulou.

Valter Gomes, vinculado ao ecossistema de desenvolvimento social Gerando Falcões, apresentou as questões atreladas ao território. “A gente olha pro território pensando em todas suas dimensões de pobreza, do urbanismo, ao saneamento, saúde e educação. Isto, para superar de fato a pobreza e levar mais famílias para dignidade”, colocou ele.

Valter atua como gerente nacional do projeto Favelas 3D, projeto que propõe soluções de desenvolvimento, geração de renda e urbanismo social cocriadas com a população local. Nas últimas enchentes que atingiram o litoral de São Paulo, o projeto atuou nos momentos de reconstrução.

Mesa “Justiça Climática nas favelas: Qual o nosso olhar com foco no G20?”

Divulgação/F20
Divulgação/F20

Com Jonathan Azevedo na mediação, ator formado pelo grupo Nós do Morro, organização social do Vidigal de capacitação profissional para a indústria criativa, os temas circularam em torno de questões como a invisibilização das favelas, que há não muitos anos nem figuravam nos mapas, letramento ambiental e participação dos imigrantes nas realidades das favelas. “Acredito que quem faz o clima somos nós, e que é daqui para cima que nós vamos nesse tema, começando a refletir sobre questões que muitas vezes passam por problemas entre becos e vielas e que agora as vozes estão saindo delas”, disse o ator. 

Kayá Bee, jovem negociadora do clima parte do time G20 no Rio de Janeiro, tratou dos desafios climáticos latentes às periferias, bem como da necessidade de uma maior apropriação dos temas ambientais pelas pessoas que residem nas favelas, especialmente os mais novos.

“A gente está falando de um projetos e urbanização que busque melhorar o ar da comunidade, um projeto de arborização para que a comunidade possa estar menos exposta aos gases de efeitos estufa. O Complexo da Maré hoje está cercado por três grandes vias urbanas e nunca ninguém pensou numa área verde efetiva que vise diminuir a concentração de carbono sobre esse território todos os dias. Como a gente fala de saúde em lugar onde a gente mal respira?”, evidenciou a comunicadora.

“Cada passinho tem uma particularidade, e o nosso maior desafio é conseguir letrar nossa comunidade, fazer com que nossas crianças entendam do que estamos falando, de como as comunidades vão sobreviver mesmo quando são negligenciadas de diversas formas. Democratizar essa linguagem aos nosso pais e avós, mas sobretudo as crianças”, continuou Kaýa. 

Por fim, Daniel Diwo, liderança da Comunidade Congolesa no Brasil lembrou que muitos não imigram somente por questões geopolíticas, mas também por catástrofes ambientais, como o caso dos haitianos deslocados em 2010 pelo terremoto que abalou o país. “Vocês devem se perguntar por que eu, um imigrante, estou aqui no Favela 20 para debater o clima. A maioria dos imigrantes, que estão no Rio de Janeiro e em São Paulo, vivem em favelas, cerca de 70%, como eu. Nesses anos morando aqui no Brasil já morei em cinco favelas, conheço as realidades”, indicou o congolês.

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