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Idiomas indígenas, essenciais para preservação de saberes ancestrais, podem desaparecer em 20 anos

Hoje, aproximadamente, 274 idiomas indígenas são falados no Brasil, número que chegou a 1.200 línguas antes da colonização europeia no País. Conhecimentos passados de forma oral para as novas gerações são fundamentais no combate às mudanças climáticas, prioridade da presidência brasileira no G20.

17/04/2024 07:00 - Modificado há 14 dias
Atualmente, existem povos com apenas 5 ou 8 falantes da língua originária, portanto, ensinar as crianças e jovens é fundamental. Crédito: Christiano Antonucci.
Atualmente, existem povos com apenas 5 ou 8 falantes da língua originária, portanto, ensinar as crianças e jovens é fundamental. Crédito: Christiano Antonucci.

Manter vivas as línguas faladas pelos povos originários é essencial para conservar saberes ancestrais presentes nas comunidades indígenas espalhadas por diversas regiões do mundo. Estes idiomas guardam um conhecimento especializado sobre diferentes biomas, que é repassado de forma oral de geração para geração, e que desempenha papel fundamental na preservação  do meio ambiente e no combate às mudanças climáticas.

“Nas línguas indígenas estão presentes inventários das espécies, sistemas de classificação, narrativas etiológicas e, principalmente, formas de manejo da diversidade, tecnologia fundamental para a preservação e biorestauração do meio ambiente. A perda linguística implica perda de conhecimento decisivo ao enfrentamento da crise climática e ambiental contemporânea”, afirma a pesquisadora do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB),  Altaci Corrêa Rubim/Tataiya Kokama, em artigo exclusivo para o site do G20 Brasil, disponível também no idioma da etnia kokama. 

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) proclamou a Década das Línguas Indígenas entre os anos de 2022 e 2032. O objetivo da organização é chamar a atenção para o processo de perda das línguas indígenas, e para a necessidade de se pensar em ações para proteger, revitalizar e promover estes idiomas.

Hoje, aproximadamente, 274 línguas indígenas são faladas no Brasil, sem contar com as línguas desconhecidas dos indígenas isolados, de acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo estudo do linguista brasileiro Aryon Dall'Igna Rodrigues, que foi professor na Universidade de Brasília, no passado, na época da chegada dos europeus ao Brasil, existiam aproximadamente 1.200 línguas indígenas. Aryon se baseou em crônicas e informações sobre os povos indígenas datadas dos primeiros séculos da colonização portuguesa.

Professor Minuro trabalha há 12 anos com crianças e adolescentes. Crédito: Minuro Augustinho Cruz.
Professor Minuro trabalha há 12 anos com crianças e adolescentes. Crédito: Minuro Augustinho Cruz.

O ofício de ensinar uma língua indígena

Na terra indígena Tabalascada, no município de Cantá, em Roraima (RR), Minuro Augustinho Cruz vive e trabalha há 12 anos como professor de língua wapichana na Escola Estadual Indígena Antônio Domingos Malaquias. 

A Tabalascada tem 14 mil hectares e 1.058 moradores divididos entre as etnias Macuxi e Wapichana, e a escola em que Minuro leciona tem 58 alunos. Conhecido como Masuiki na língua wapichana, ele conta que não havia muitos moradores disponíveis para a tarefa de ensinar crianças e adolescentes, por isso decidiu se candidatar a vaga de professor de língua indígena. Na parte da manhã, Minuro trabalha oralidade e pronúncia com crianças do 1º ao 5º ano, à tarde, gramática, valores de seu povo e história com os pré-adolescentes do 6º ao 9º ano.

“Nós, professores, estamos fortalecendo e valorizando a nossa cultura, eu sinto que estou contribuindo com a minha comunidade. Convivemos com os professores mais antigos que continuam na luta, nós elaboramos trabalhos juntos e vamos aprendendo com eles a cada dia”, afirma Minuro.

O professor sente-se feliz e orgulhoso por ajudar a comunidade também como intérprete e tradutor. Quando há uma grande reunião ou uma assembleia, os professores são chamados para traduzir falas em português, pois existem moradores que só falam a língua nativa. Outro momento considerado de muita honra, segundo Minuro, é a apresentação dos eventos culturais, como a Dança do Parixara, um ritual com música e dança praticado tanto pelos indígenas da etnia Wapichana quanto Macuxi. Os professores são chamados a apresentar a dança tanto dentro das escolas como fora, em espaços abertos.

“Nós, professores, estamos fortalecendo e valorizando a nossa cultura, eu sinto que estou contribuindo com a minha comunidade. Convivemos com os professores mais antigos que continuam na luta, nós elaboramos trabalhos juntos e vamos aprendendo com eles a cada dia”, afirma Minuro. 

A proximidade com a capital Boa Vista e a influência da cultura não indígena, sobretudo para os adolescentes, também são questões desafiadoras. Alguns jovens preferem esconder a identidade indígena, e não querem mais falar a língua. Mas o professor se mantém otimista. “Não tenho medo de perder minha língua, até porque a garantia que temos é que os filhos e netos ainda falam o idioma wapichana. Tenho uma preocupação de que um dia acabe, mas ainda há uma grande porção da comunidade que domina a língua. Mais ou menos 70% da comunidade é fluente.”

Minuro confia que seu trabalho e dos demais professores vai ajudar a manter viva a língua. Assim como os rituais religiosos, os jogos indígenas e a Dança do Parixara vão continuar a fortalecer a língua e a cultura nativa de seu povo, contando com o auxílio da defesa das lideranças e o intercâmbio entre as aldeias.

A linguista, professora e pesquisadora Ana Suelly Arruda Câmara estima que em 50 anos cerca de 20 línguas indígenas podem deixar de ser faladas no Brasil. Ela é coordenadora do Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, e tem mais de 30 anos de estudos e experiência in loco em terras indígenas de vários estados brasileiros.

A pesquisadora acredita que a iniciativa da Unesco de decretar a década da língua indígena (2022 - 2032) é muito importante, mas só se realmente tiver ações concretas, pois a preservação de uma língua envolve muitos fatores como questões sociais, a vontade das populações originárias e o interesse do poder público em atuar a favor de conservar o patrimônio cultural que as línguas indígenas representam.

A pesquisadora conta que existem povos com apenas 5 ou 8 falantes da língua originária, geralmente idosos. Existe também muito êxodo, migração para os centros urbanos para estudar e trabalhar e a língua perde falantes, pois os filhos já não vão mais praticar a língua original, vão substituir pelo português ou serão bilíngues. 

A pesquisadora conta que existem povos com apenas 5 ou 8 falantes da língua originária, geralmente idosos. Existe também muito êxodo, migração para os centros urbanos para estudar e trabalhar e a língua perde falantes, pois os filhos já não vão mais praticar a língua original, vão substituir pelo português ou serão bilíngues.

Para a pesquisadora, os programas de preservação de línguas indígenas são pontuais, e muitas vezes não são vividos pelas comunidades. São projetos de pesquisa, documentação, oferta de gramática pedagógica, mas muitos desses trabalhos ficam na vitrine e não estão sendo usados de fato nas comunidades.

“O linguista e o antropólogo não salvam a língua. Para mim, fortalecer uma língua tem que ter a comunidade toda envolvida. As criancinhas estão com os avós aprendendo ou um adulto junto de outro adulto, como mestre e aprendiz. Porque uma língua para ser retomada tem que ser falada. É uma coisa a longo prazo”, defende a pesquisadora.

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