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Reunião Ministerial do G20 – São Paulo, 28 de fevereiro de 2024 - Discurso de Abertura – Ministro Fernando Haddad

28/02/2024 10:23 - Modificado há um mês

Reunião Ministerial do G20 – São Paulo, 28 de fevereiro de 2024

Discurso de Abertura – Ministro Fernando Haddad

Senhoras e senhores, Ministras, Ministros, Presidentes de Bancos Centrais e líderes de organizações internacionais parceiras,

Bem-vindos a São Paulo.  

Como é de conhecimento público, esta primeira sessão, preparada para acontecer presencialmente, precisou ser adaptada para realização híbrida, em razão de eu estar diagnosticado com COVID. Mas preciso registrar a grande satisfação e o entusiasmo de participar desta reunião.

A cada dois anos, o pavilhão - em que as senhoras e os senhores estão - recebe obras de artistas de todo o mundo na tradicional bienal de São Paulo. Parte do conjunto arquitetônico do Parque Ibirapuera, desenhado por Oscar Niemeyer, o Pavilhão é símbolo de uma visão de mundo otimista e orientada para o futuro. No coração de um país em rápido crescimento, São Paulo se destacou ao longo do século XX por seu processo de rápida industrialização e urbanização, abrigando e inspirando pessoas que queriam transformar a cidade em ponto de encontro internacional, um verdadeiro centro cosmopolita na periferia do mundo moderno. O belo prédio modernista é um lugar onde gerações de brasileiros ousaram imaginar um mundo diferente e um futuro melhor. Quero começar convidando as senhoras e os senhores a compartilhar essa imaginação.

Aproveitando a experiência bem-sucedida da Índia no ano passado, a Presidência Brasileira assumiu o desafio de fazer um G20 inclusivo, em que tenhamos a chance de avançar em diversos temas que nos são caros, como o combate à pobreza e à desigualdade, o financiamento efetivo ao desenvolvimento sustentável, a reforma da governança global, a tributação justa, a cooperação global para transformação ecológica e o problema do endividamento crônico de vários países.     

Ao mesmo tempo em que ousamos imaginar um futuro mais próspero, sustentável e diverso, temos consciência de que a conjuntura econômica global é desafiadora. Nas últimas três décadas, os discursos sobre a globalização oscilaram entre o otimismo desenfreado e a sua completa negação. O legado da última onda de globalização, marcada pela busca de aumento da rentabilidade através da arbitragem trabalhista e regulatória em nível internacional, não é simples. Ao mesmo tempo em que milhões saíram da pobreza, especialmente na Ásia, houve substancial aumento de desigualdades de renda e riqueza em diversos países. Chegamos a uma situação insustentável, em que os 1% mais ricos detém 43% dos ativos financeiros mundiais e emitem a mesma quantidade de carbono que os dois terços mais pobres da humanidade002E

A atual reação contra a globalização pode ser atribuída ao tipo específico de globalização que prevaleceu até a crise financeira de 2008. Até então, a integração econômica global se confundiu com a liberalização de mercados, a flexibilização das leis trabalhistas, a desregulamentação financeira e a livre circulação de capitais. As crises econômicas resultantes causaram grandes perdas socioeconômicas. Enquanto a hiper-financeirização prosseguiu em ritmo acelerado, um complexo sistema offshore foi estruturado para oferecer formas cada vez mais elaboradas de evasão tributária aos super-ricos. Estas tendências culminaram na crise financeira de 2008, expondo claramente as limitações daquela forma de globalização.

A partir de então, o mundo tem lutado para redefinir os contornos de uma nova globalização. A crise climática ganhou força, tornando-se uma verdadeira emergência. Os países mais pobres devem arcar com custos ambientais e econômicos crescentes, ao mesmo tempo que veem suas exportações ameaçadas por uma crescente onda protecionista, bem como uma parcela significativa das suas receitas comprometidas pelo serviço da dívida, em um cenário de juros elevados pós-pandemia.

Não há ganhadores na atual crise da globalização. Embora, como disse, os países mais pobres paguem um preço proporcionalmente mais alto, seria uma ilusão pensar que países ricos podem dar as costas para o mundo e focar apenas em soluções nacionais. Em um mundo no qual trabalho e capital são cada vez mais móveis, pobreza e desigualdade precisam ser enfrentadas como desafios globais, sob a pena da ampliação das crises humanitárias e imigratórias.

Esse é a razão de ser das duas forças-tarefa propostas pelo presidente Lula para o G20 em 2024, a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza e a Mobilização Global Contra a Mudança do Clima. Precisamos entender a mudança climática e a pobreza como desafios verdadeiramente globais, a serem enfrentados por meio de uma nova globalização sócio-ambiental. 

O G20 é o fórum onde efetivamente podemos coordenar nossas políticas econômicas, para que nossos esforços se multipliquem. É hora de redefinirmos a globalização. Precisamos criar incentivos para que os fluxos internacionais de capital sejam eficientemente direcionados para as melhores oportunidades, definidas não mais em termos de lucratividade imediata, mas sim de acordo com critérios sociais e ambientais.

 Senhoras e senhores,

Os temas que a Presidência Brasileira propôs para essa primeira reunião de Ministros das Finanças e Presidentes de Bancos Centrais do G20 em 2024 emergem exatamente do objetivo de construir uma nova globalização, centrada na cooperação internacional para a solução dos nossos desafios sociais e ambientais. Eles derivam diretamente das prioridades anunciadas pelo Presidente Lula para o G20 em 2024, que são justamente o combate à fome e à pobreza, a promoção do desenvolvimento sustentável e a reforma da governança global.

Vamos começar com um debate sobre estratégias para integrar a análise de desigualdades como uma preocupação fundamental de políticas macroeconômicas. Acreditamos que a desigualdade não deve ser apenas tratada como uma preocupação social, um mero corolário da política econômica. Nossa proposta é centrar a desigualdade como uma variável fundamental para a análise de políticas econômicas. Queremos desenvolver as ferramentas analíticas mais adequadas para isso, nos beneficiando de pesquisas recentes de economistas e outros cientistas sociais, que têm dado importantes contribuições ao tema.

Em seguida, na tarde de hoje, meu colega Roberto Campos Neto coordenará os debates sobre a atual conjuntura macroeconômica e estabilidade financeira internacional, temas centrais da trilha financeira do G20. O desenvolvimento sustentável não será possível sem atenção às condições de estabilidade financeira global, incluindo um debate honesto sobre nossas perspectivas para o médio e longo prazo.

Amanhã, na parte da manhã, abordaremos um tema que considero central para a construção de um mundo mais justo, a saber, tributação progressiva. Reconhecendo os avanços obtidos na última década, precisamos admitir que ainda precisamos fazer com que os bilionários do mundo paguem sua justa contribuição em impostos. Além de buscar avançar nas negociações em andamento na OCDE e na ONU, acreditamos que uma tributação mínima global sobre a riqueza poderá constituir um “terceiro pilar” para a cooperação tributária internacional.

Finalmente, nossa última sessão, na tarde de amanhã, será sobre cooperação em questões de dívida e desenvolvimento sustentável. O Brasil vê o debate sobre a dívida global e a sustentabilidade ambiental e social como profundamente interligados. O endividamento crônico deve ser enfrentado para que os países tenham espaço fiscal para fazer os investimentos necessários para a transição energética, combatam a fome e a pobreza, e atinjam seus próprios objetivos de desenvolvimento.

 Senhoras e senhores,

O Brasil tem o privilégio e a sorte de receber essa reunião em um momento particularmente oportuno.

Passamos o nosso primeiro ano de governo reforçando a nossa credibilidade fiscal e criando as bases de uma nova política econômica, que tem relação direta com as prioridades que agora apresentamos ao G20. Estamos construindo um sistema tributário mais justo e eficiente, lançamos um ambicioso programa de transformação ecológica e recuperamos a capacidade do Estado de sustentar políticas de redução de pobreza e desenvolvimento social.

Ainda temos muito a avançar, mas tenho a satisfação de dizer que o Brasil está novamente em posição de oferecer uma agenda econômica para a comunidade internacional. Queremos compartilhar nossas experiências, aprender com as experiências de outros países e somar esforços para criar um mundo justo e um planeta sustentável.

Com o apoio da Troika, das senhoras e senhores, e de nossas equipes responsáveis por uma extensa e ambiciosa agenda nos grupos de trabalho, construiremos juntos o caminho que liga Delhi e o Rio de Janeiro. É com entusiasmo, portanto, que agradeço a presença de todas e todos e abro essa primeira reunião Ministerial da trilha financeira em 2024. 

Muito obrigado.