ECONOMIA DIGITAL

Regulação inclusiva da Inteligência Artificial, desafio necessário

Especialistas apontam as possibilidades de governança, segurança e equidade em Inteligência Artificial (IA). Regulação inclusiva e multisetorial acertada com a comunidade global pode ser a saída para o desafio dos países de produzirem Inteligência Artificial com características e respostas que enfrentem a fragmentação do debate atual.

21/06/2024 07:00 - Modificado há 3 meses
Especialistas de todo o mundo apresentam propostas e ideias sobre regulação da Inteligência Artificial. Crédito: Gettyimage

Vivemos uma revolução possibilitada pela internet: a Inteligência Artificial generativa, tecnologia composta por sistemas que não apenas reproduzem dados existentes, mas são capazes de produzir resultados originais com base nas informações que aprendem com treinamento. Os benefícios trazidos já são sentidos em áreas como saúde e segurança, mas há o risco de aumentar as desigualdades por quem não dominar os mecanismos e pela possível falta de garantias de soberania sobre os bancos de dados. 

Mariagrazia Squicciarini, diretora do departamento de Ciência Social e Humana da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) indica que é preciso pensar sobre o tema tendo em mente os próximos cinco ou dez anos. Ou seja, pensar sobre o que precisa ser feito hoje para que a IA se estabeleça com segurança e inclusão. Mariagrazia acredita que a questão é: como garantir que a tecnologia nos ajude e não sejamos controlados por ela?

Governança multissetorial em IA

Para Renata Mielli, coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil, órgão que discute os impactos e soluções para uma sociedade conectada e integrada,  a internet surgiu e se massificou como uma ferramenta digital de acesso e conexão global para as pessoas. Houve um conjunto de avanços de desenvolvimento de aplicações que surgiram a partir da utilização massiva da internet e novos mecanismos de interação e de produtividade foram desenvolvidos em praticamente todas as dimensões da vida humana.

A especialista explicou que “o que nos preocupa é como olhar para a governança de um mundo digital com diversas aplicações, várias ferramentas e tecnologias a partir de uma perspectiva sistêmica e abrangente. Nós temos um ecossistema que não existe de forma individualizada, compartimentalizada ou separada”, revelou.

“Eu gostaria de ver em cinco anos, uma colaboração regional para acesso a dados, computação, infraestrutura e processamento. Isso poderia ser uma forma real de preservar talento e capacidade nas regiões que mais precisam. Acredito que as comunidades locais têm muito potencial para resolver seus próprios problemas, em seus próprios idiomas com seus próprios métodos, mas a ausência de dados gerados localmente significa que as soluções de dados são de cima para baixo no momento”, concluiu.

Renata pontuou que a chegada da IA não seria possível sem a internet e “sem a coleta massiva de dados que hoje permite o treinamento dos modelos de inteligência artificial”. Mielli defendeu que os organismos internacionais consigam conceber um instrumento de articulação e governança multissetorial, que inclua desenvolvedores, sociedade civil, academia, empresas e governos em um pacto concreto para a tomada de decisão, realizado no âmbito dos organismos multilaterais, como a ONU.

É preciso que a governança coordene muitos processos e tenha participação dos vários setores, “se replicando em nível local nos governos, onde a gente tenha também uma comunidade multissetorial forte, que possa acrescentar direcionamentos, recomendações e seja escutada nos processos de regulação e tomada de decisão em nível local. A palavra é não deixar ninguém para trás e buscar uma governança que enfrente a fragmentação do debate”, concluiu.  

A representante do Secretariado-Geral da ONU, Renata Dwan,  chamou a atenção para a necessidade de uma conversa global e inclusiva sobre a IA. Dwan crê que é preciso evitar a concentração de poder econômico, “As grandes empresas de tecnologia controlam todas as camadas dos recursos. Isso é uma escolha para nós como sociedade global, se estamos confortáveis com isso”, disse.

Dwan acredita que uma conversa global tem um poder benéfico para potencializar o uso das tecnologias, incluindo, mas não limitado à IA. “Precisamos estabelecer uma estrutura que nos permita pensar sobre as tecnologias emergentes conforme elas avançam, pode ser biotecnologias ou neurotecnologia. Precisamos ser capazes de pensar uma estrutura capaz de guiá-las”, defende.

“Eu gostaria de ver em cinco anos, uma colaboração regional para acesso a dados, computação, infraestrutura e processamento. Isso poderia ser uma forma real de preservar talento e capacidade nas regiões que mais precisam. Acredito que as comunidades locais têm muito potencial para resolver seus próprios problemas, em seus próprios idiomas com seus próprios métodos, mas a ausência de dados gerados localmente significa que as soluções de dados são de cima para baixo no momento”, concluiu.

O diretor de Relações Governamentais do Google Brasil, Marcelo Lacerda, defendeu que a discussão sobre regulação é relevante no debate atual sobre IA e que vai trazer transformações para todas as nações. Lacerda destacou como primordial levar à mesa do debate as perspectivas do setor público, setor privado, academia, sociedade civil organizada para que se possa chegar a uma estrutura de governança ideal.

“Temos uma visão bastante positiva, assim como temos na utilização da tecnologia de IA. A gente acredita que a governança de IA precisa ser global e multissetorial. Consideramos que não é apenas regulação, mas também deve levar em consideração mais questões”, argumentou. 

Justiça de dados

Nas considerações de Bruno Bioni do Data Privacy Brasil e representante do T20, Grupo de Engajamento de Pesquisadores e Think Tanks do G20 Social,  outro ponto importante para o debate é o conceito de justiça de dados, que é entender como as tecnologias são alimentadas por nossos dados pessoais. Para ele há um descompasso entre os países e a regulação na implementação da Inteligência Artificial, “no futuro espero uma agenda que seja de inclusão e que essas tecnologias não aumentem assimetrias já existentes”. 

“No Brasil vivemos uma alocação brutal de recursos para desenvolver ou implementar a Inteligência Artificial no campo de reconhecimento facial para segurança pública.  Poderíamos estar vivendo o contrário disso, que é a implementação de inteligências artificiais acopladas a câmeras corporais para reduzir a letalidade policial”, sugeriu Bioni. 

Expectativas para o futuro da IA

A expectativa de Preetam Maloor, chefe da Divisão de Tecnologias Emergentes na União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência especializada das Nações Unidas para Tecnologias de Informação e Comunicação, é que os modelos de governança sejam multissetoriais, inclusivos em níveis internacional, regional e local. 

“A IA deixou muitas pessoas, muitos países para trás. Apenas um punhado de países, principalmente os desenvolvidos com as capacidades técnicas, têm desfrutado dos benefícios (do avanço das tecnologias). Claramente esse é o cenário que vivemos, e todas as alternativas dependem da comunidade global para acertar a governança, o equilíbrio entre regulamentação e inovação para alcançar a primeira situação”.

O primeiro cenário é a de que “evoluções como a cura para o câncer, sejam alcançadas, a segurança alimentar não seja mais um problema, a ação contra as mudanças climáticas receba um grande impulso e a IA seja fundamental em nos ajudar a alcançar todos os ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU). Este seria o cenário ideal”, prospectou.

De acordo com Maloor, outro cenário possível é que o mundo tome alguns passos em direção à governança e regulação da IA, mas com lacunas. “A IA deixou muitas pessoas, muitos países para trás. Apenas um punhado de países, principalmente os desenvolvidos com as capacidades técnicas, têm desfrutado dos benefícios (do avanço das tecnologias). Claramente esse é o cenário que vivemos, e todas as alternativas dependem da comunidade global para acertar a governança, o equilíbrio entre regulamentação e inovação para alcançar a primeira situação”. 

IA e equidade 

Os debates aconteceram no seminário “Inteligência Artificial para Equidade Social e Desenvolvimento Sustentável” em mesa que discutiu “Governança da Inteligência Artificial (IA): Desafios nacionais e internacionais”. O evento paralelo ao G20 Brasil abordou os desafios da falta de regulação da Inteligência Artificial e possíveis soluções para governos, setor privado e a sociedade civil, em abril, em Brasília. O encontro faz parte dos Diálogos G20, promovido pelo Grupo de Trabalho de Economia Digital, e reuniu especialistas de todo o mundo.

Assista a íntegra do seminário

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