ECONOMIA GLOBAL

Estoques reguladores são ferramentas importantes para prevenção de desastres econômicos, afirma economista alemã

Para a economista Isabela Weber, os estoques reguladores devem fazer parte de uma caixa de ferramentas para a prevenção de desastres econômicos, especialmente no contexto de crises alimentares e inflacionárias. “Precisamos de um novo paradigma de estabilização pós-neoliberal”, defende professora.

03/09/2024 07:00 - Modificado há um mês
Foto: Getty Images
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A economia global encontra-se em um momento de grandes desafios e incertezas. Trata-se de uma era de emergências sobrepostas. Mudanças climáticas, conflitos geopolíticos e interrupções na cadeia de suprimentos são algumas das forças que têm gerado choques econômicos significativos. Desta forma, a política de buffer stock, ou estoques reguladores, poderia ser um passo importante em direção ao pós-neoliberalismo, especialmente no contexto de crises alimentares e inflacionárias. 

Esta é a sugestão da professora associada de Economia na University of Massachusetts Amherst/EUA, a alemã Isabela Weber, autora do livro “Como a China escapou da terapia do choque”, lançado no Brasil pela editora Boitempo. “Esses choques têm atingido setores sistêmicos e significativos, importantes para o sistema de produção, de distribuição da economia como um todo ou para a vida humana e o resultado são explosões de preços e lucros”, afirma Weber, que participou do evento paralelo ao G20, States of The Future, no Rio de Janeiro em julho. 

A inflação gerada pelos aumentos nos preços dos alimentos afeta, desproporcionalmente, os países de baixa renda e as populações mais pobres, pois uma parcela maior da renda é gasta em alimentos, exacerbando ainda mais a desigualdade.

O aumento dos preços em setores essenciais, como alimentos, foi acompanhado por lucros recordes para empresas como a ABCD (Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus). Em 2022, por exemplo, a Cargill reportou um aumento de 23% na receita, atingindo 165 bilhões de dólares. Esse fenômeno, que ela chama de "inflação de vendedores", ocorre quando as empresas aproveitam os choques de custo para aumentar os preços e proteger suas margens de lucro. Um outro exemplo disso é a PepsiCo, que aumentou os preços mesmo com a queda dos volumes de vendas, justificando esses aumentos com base na inflação.

A inflação gerada pelos aumentos nos preços dos alimentos afeta, desproporcionalmente, os países de baixa renda e as populações mais pobres, pois uma parcela maior da renda é gasta em alimentos, exacerbando ainda mais a desigualdade.

O papel dos buffer stocks

Na opinião da professora “o que precisamos é de um novo paradigma de estabilização pós-neoliberal, que chamo de ´caixa de ferramentas para a prevenção de desastres econômicos´. Para que nós intervenhamos antes e possamos liberar todos esses efeitos rígidos econômicos, sociais e políticos”.

Um destes instrumentos é o uso de estoques reguladores para estabilizar os preços de commodities essenciais como arroz, milho, trigo e soja. A ideia, que remonta à prática de armazenar grãos em tempos de abundância para vendê-los em períodos de escassez, poderia ser aplicada, hoje, para suavizar as flutuações de preços. Ao comprar quando os preços estão baixos e vender quando estão altos, os governos poderiam evitar a especulação privada e reduzir a volatilidade dos preços.

Esse sistema poderia ser gerido por organizações ligadas à ONU e financiado pelos países que adquirissem os produtos por meio de transações especiais e outras fontes. Além disso, a economista sugere a implementação de leis de controle de preços e impostos sobre lucros extraordinários para conter a inflação gerada por grandes empresas.

“Os buffer stocks poderiam, também, proporcionar um mercado seguro e, possivelmente, preços seguros para o tipo de agricultura que precisa ser desenvolvida para melhorar a segurança alimentar e a resiliência climática dos sistemas alimentares”, comenta Weber.

Ela enfatiza, porém, que esta política não é uma solução completa, mas um passo vital para lidar com as emergências econômicas atuais. Combinada com outras medidas, como a transparência no controle privado, a regulamentação dos mercados de commodities e o fortalecimento da soberania alimentar, essa política poderia contribuir para promover uma transição verde no Planeta. 

O Painel “Rumo a um Paradigma de Estabilização Pós-neoliberal” contou com a participação de Nelson Barbosa, diretor de planejamento e relações institucionais do BNDES e teve a mediação de Carlos Pinkusfeld, mestre em Economia Industrial pelo Instituto de Economia da UFRJ e diretor-presidente do Centro Celso Furtado.


O States of The Futures é realizado pelos ministérios da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), das Relações Exteriores (MRE), do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A organização é da Maranta e da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI). Apoiam o States of the Future a Open Society Foundations e a República.org.

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